quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Lá em Mediocrópolis

Não há lugar igual. Iguais mesmas só as coisas de Mediocrópolis: as maldades, os vícios, as manias. As pessoas de lá são tão parecidas que um morador chegou a passar dez anos com uma família, supondo ser a dele.
Mediocrópolis foi colonizada pelos parasiteses, porém outros povos ali se se fixaram - corrupteneses, covardeses e carnavaleses. De sua formação até hoje não se verifica nos livros de História nenhum feito digno de heroísmo, salvo um massacre de pobre aqui, outro acolá.
Persiste em Mediocrópolis a escravidão, não de negros, nem com as características de outrora - é a escravidão consentida. Os grupos subjugados são abundantemente encontrados, sem resistência, em qualquer parte do território nacional. São os chamados puxa-sacos e periguetes - tribos moralmente inexpressivas, adquiridas por meio do escambo: o cidadão fornece bebida, tira-gosto e umas voltinhas de carro; e, em troca, os neoescravos lhe dão qualquer coisa, qualquer coisa mesmo!
A tranquilidade sempre foi marcante em Mediocrópolis, graças ao elogiável comodismo em todos os setores. Nas escolas, por exemplo, a didática dos professores é tão admiravelmente semelhante que, muitas vezes, os alunos não sabem a que aula estão assistindo. E ai do atrevido que ousar lecionar de maneira diversa! Digo a mesma coisa dos enxeridos e dedicados alunos.
Em Mediocrópolis é bom demais! Os habitantes nem precisam trabalhar para comer, porque o Estado lhes dá comida em troca de simples voto. E, quando se adoece, não é necessário preocupação com a gravidade da doença, tampouco com a qualificação do médico, uma vez que este vai tratar o dinheiro, e não a enfermidade.
Visando à manutenção da paz em Mediocrópolis, não se combate o crime: é mais vantajoso beneficiar o bandido com leis. Também não se erradica o analfabetismo: o prático é pôr o analfabeto na universidade.
Não há que se cultivar, nessa fascinante nação, valores morais nem boa aparência, pois apenas a moeda condiciona as relações interpessoais: se mais dinheiro, mais amigos. A falta de dinheiro, em Mediocrópolis, implica ausência de um amor, solidão funesta, vida maldita.
A aversão à mudança é flagrante em todos os assuntos lá em Mediocrópolis. Na política, por exemplo, não há embate: só coalizão e conformismo. De tal forma que se presencia candidatos "divergentes" utilizando a mesma estratégia de campanha - a imagem do Imperador Luís Inácio I, o Lula-mor.
E para que transformações, se inclusive as criancinhas são todas de uma meiga e amável falta de educação?!
Vez por outra,focos se rebelam em Mediocrópolis. São jovens honestos e orgulhosos, e até mesmo intelectuais e escritores - chamados pelos mediocropolenses de "otários" -, que se contrapõem ao regime mediocritário, com ideias anticonformistas e éticas. Há quarenta anos eram combatidos com mão de ferro pelos órgãos repressores militares. Hoje, apesar da redemocratização do país, os poucos otários, que não morreram de angústia, sofrem torturas inimagináveis - como sessões de música ruim nas rádios, nas ruas e até nas escolas -, quando não são forçados ao exílio domiciliar a fim de fugirem dos hábitos sociais dos mediocropolenses.
A vida em Mediocrópolies é tão previsível e feliz que parece incompreensível não querer adaptar-se a ela. Foi o que aconteceu comigo, por isso vivo no degredo na distante ilha da Caneta.