quarta-feira, 5 de dezembro de 2012
Nada é tão ruim que não possa piorar
Fotos do casal rasgadas sobre a cama; uma garrafa de cachaça na mão esquerda; na direita, um revólver calibre 38. Sentado no chão do quarto semiescuro, Francisco Apogeu definhava a última separação: isso mesmo, ele já tinha vivido com três mulheres até então. A primeira, estudante ainda, o traiu com um jovem professor. O mundo desabou sobre Francisco. Não podia acreditar que uma menina tão meiga fizesse-o corno. Foi em busca da verdade e, quanto mais fuçava, mais era certa a traição. Após uns dias na angústia, reanimou-se e, seguindo conselhos dos poucos amigos, tentou tocar a vida. Só que esquecer seu primeiro amor demorou bem mais e lhe custou muitas noites em claro. Trabalhando numa loja de eletrodomésticos, conheceu Keyth – uma moça esforçada e cheia de sonhos, com quem dividiria dois cômodos. Tudo parecia estar muito bem, até o dia em que ela ficou conferindo uns produtos com o gerente da loja. Não tardou a notícia de que sua amada dormia com outro. De novo não! Como ele pôde se envolver com alguém depois de todo o sofrimento amargado?! E ela que fez questão de deixá-lo e foi morar com o amante. O traído chorou, xingou, chorou, xingou, chorou, chorou, chorou! Passara por algo semelhante; a dor, porém, senão a mesma, era maior. As pessoas se preparam para tudo. Para suportar a traição, entretanto, parece não haver antídoto. Ficava imaginando como alguém com quem compartilhou lar, cama, comida, planos entregara-se para outro homem – um estranho, por assim dizer! Em outros momentos, sentia-se culpado pelo chifre que sofreu, achando que poderia ter sido evitado. Pensou em suicídio; mas, novamente, seguindo orientação dos mesmos amigos, reergueu-se e pôs de novo a vida a andar. Anos se passaram, e Francisco Apogeu tornou-se policial militar, do tipo caxias, cumpridor do dever. As coisas melhoraram: financiou casa e carro, fez amigos na corporação e se relacionou com inúmeras garotas. Criara aversão por relacionamentos sérios e transformou-se num amante contumaz. Não era mais homem de uma só mulher. Tinha, inclusive, sido procurado por Keyth, a qual, num misto de nostalgia e arrependimento, entregou-se a ele. Só que Apogeu era outro: amava mais a si mesmo. Finalmente sentia o que era, de fato, viver. De todas as pessoas com quem ele saía, entre universitárias, balconistas, secretárias, domésticas, havia uma com quem ele passava mais tempo – Wesllya. Era mulher de um pequeno traficante do bairro onde o militar residia. Não deu outra: o marginal foi preso, e Apogeu intensificou a relação com a amante, a ponto de mudar-se com ela para outro bairro. E nem quis ouvir os amigos. Também! uma morena de dezenove anos, de lindas pernas e seios seguraria qualquer um! Ele arranjou um emprego para ela durante o dia e um cursinho pré-vestibular à noite. Logo sua companheira engravidou. O tempo passava, o filho crescia, Weslllya frequentava universidade, e Apogeu era promovido a sargento. Estava tudo inacreditavelmente perfeito; contudo, numa discussão com um colega de farda, foi chamado de cego. No momento da querela, tiveram que segurar os contendores a fim de que não houvesse uma desgraça. Desse dia em diante, Apogeu passou a espreitar a mulher, até o dia em que ela esqueceu o celular em casa. Ele, que cuidava do filho quando estava de folga, flagra várias mensagens entre sua esposa e o traficante: eles nunca se deixaram. Foi uma bomba. Não era possível aquilo! E pior que isso: o menino era filho do meliante. Mais uma vez o mundo desaba sobre o infeliz. Definitivamente tudo estava perdido. Cogitou matar todo o mundo e, mais uma vez, chorou, xingou, chorou, xingou, chorou, chorou, chorou, chorou! Ele, que um dia imaginou que sofria muito, agora tinha certeza de que havia sempre dor maior do que a dor anterior. Além de tudo, amava uma criança que era filho de outro – de um bandido. Telefonou para uma tia do garoto para que viesse buscá-lo. A traidora foi avisada, de alguma forma, do que ocorrera. Apogeu a aguardava em casa, porém foi informado de que ela, o criminoso e o menino deixaram a cidade. Não havia mais o que perder. Era o fim. Cada vez que foi traído, era como se morresse; e os dias, ou meses, ou anos que se seguiam, ele era um morto-vivo. Nasceu apenas uma vez, porém já tinha morrido três. Com a arma em punho, optou por não mais viver morrendo. Pôs o revólver na cabeça para dar cabo a uma vida de mortes... e não puxou o gatilho. Embora as trevas lhe estreitassem a visão, lembrou-se de que sempre que morria, retornava com mais ânimo para viver, ainda que vivesse por pouco tempo. Isso faz uns dez anos. Eu soube que Apogeu deixou a polícia, possui um escritório de advocacia, tem duas lindas filhas e uma esposa bela e dedicada, sua sócia no escritório. Maaas... (relaxem!) viveram felizes para sempre!
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