domingo, 24 de fevereiro de 2013
O bom e velho Zé Modesto
Existem várias formas de se obter vida confortável . Uma delas é herdar. Situação em que a expectativa do nascimento já é por si enorme e suficiente chance de vitória. Outra, acertar os números da loteria, o que, para muitos, é mais difícil do que ser acertado bem na cabeça por um meteoro. Uma terceira maneira, porém não aconselhável, é roubar. Entre inúmeras opções, morais ou ilegais, cite-se ainda exercer a medicina em pequenos municípios e/ou fazer da política uma profissão.
Em se tratando do famigerado Zé Modesto, nenhum dos fatos acima aconteceu. Em meio às atividades e negócios que desenvolveu para ser o homem bem-sucedido que se tornou, o que ele mais fez foi propaganda enganosa de si mesmo. Dizem as más línguas que, quando ele foi realizar teste para obter carteira de motorista, gabou-se tanto de sua habilidade ao volante, que o instrutor, supondo ser constrangedor para um perito ser submetido a exame tão comum, expediu seu documento sem que ele sequer entrasse no veículo. Fico elucubrando acerca do que o espermatozoide que lhe deu origem fez para deixar os trezentos milhões para trás.
Devo concordar que Zé era realmente bom em uma coisa: dizer que era bom. De tal sorte que formava séquitos na escola onde lecionava. Ah! esqueci de mencionar que ele era especialista em faz-de-conta-que-ensina; e, óbvio, em escola que aluno faz de conta que aprende, pseudoprofessor brilha mais do que o sol.
E nessa de pregar veemente que era “o cara”, Zé convencia até as doenças; pois nunca se soube que ele tenha ido a um médico ou se queixado de qualquer sintoma.
Foi assim a vida inteira. Mulheres o desejavam só por ouvirem dizer o quão viril ele era. Contudo, manter o status que, de menino, conquistara, exigia-lhe, às vezes, o dom do puxa-saquismo; como da vez em que ele gastou todo o salário com um presente para o cachorrinho de estimação da proprietária do colégio. Conta-se, inclusive, que, quando a bajulação não surtia efeito, ele usava do dinheiro economizado para comprar favores, títulos, aprovações, amigos.
Não posso dizer que o farsante não tentou ser de fato competente, merecedor das realizações: as derrotas sofridas, quando ainda jovem (e certa quantidade de mau caráter ), é que fizeram dele um competidor sem escrúpulos. Entretanto, admito que, desde criança, ostentou a fama de bom. Bom parceiro, mesmo dando em cima das amigas da namorada e culpando-as de assédio quando a parceira descobria; bom filho, apesar de judiar, frequente e furtivamente, do irmãozinho; bom aluno, ainda que as boas notas fossem obtidas ilicitamente; bom amigo, embora puxasse o tapete até dos mais íntimos; bom vizinho, mesmo que falsamente denunciasse a vizinhança de manter gato na energia elétrica; bom sujeito, sem que gratuitamente praticasse o bem. E tudo funcionava às mil maravilhas, pois a “mentira dita mil vezes vira verdade”
Na eleição passada, dando continuidade a uma trajetória de sucesso, o intrépido vigarista tornou-se prefeito de uma cidadezinha do Piauí – cargo aparentemente criado para indivíduos de sua estirpe.
E mesmo enganando a todos, e mesmo conquistando tantas coisas, e mesmo tendo tido vida longa e saudável, grande mesma era sua frustração, por não conseguir enganar a si próprio. Dia quatorze de janeiro de dois mil e treze, de causa não identificada, aos noventa e nove anos de idade, morre José Modesto Boaventura da Silva – querido filho, amado pai, estimado mestre, político ético, amante da natureza, apaixonado pelo país... uma fraude.
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