O
primeiro foi Joãozinho. Eu só tinha doze anos. Ele me perguntou em que série eu estava, ofereceu-me sua bicicleta para eu dar uma
volta e me arrancou um beijo em troca.
Anos
depois veio Ademir, que me chamou pra dançar, disse-me que eu era legal,
acariciou meu cabelo e me beijou de língua.
Raul
foi o terceiro. Presenteou-me flores,
falou que me amava e arrebatou minha virgindade.
Acelino
foi o quarto. Chegou de mansinho,
jurou nunca me magoar, levou-me
pra cama, tacou-me um bucho e sumiu.
Noel foi o
próximo. Disse que adorava crianças; levou-me pra jantar, serviu-me o prato e
me comeu.
Abandonada
por Noel, não percebi o tsunâmi se
aproximar. Fábio não só bagunçou minha cama: ele me virou pelo avesso, sugou
meu sangue, arrancou meu coração, condenou minha alma e fodeu meu juízo.
Depois
dele já não havia mais nomes: apenas
números. Cinco anos no Ensino Médio, uma casa com dois cômodos, doze anos no
Armazém Parahiba, dez horas de trabalho, uma hora de almoço, uma quentinha, uma
colher, um palito de dente, um pedaço de
rapadura, um copo d’água, vinte homens, três filhos, trinta anos de idade.
Os
anos seguintes se passaram para mim com a mesma obrigação que o ônibus passa no
ponto, ou com a necessidade que se tem de tomar água – mas não refrescante e
suave como o líquido.
Quando
me dei conta, tinha-me tornado a funcionária mais antiga da empresa, meus filhos há muito já não viviam comigo, e
os amigos... que amigos?!
Nesta
manhã, quase não me levantei: a artrose é quem dita meus passos. Ao me ver no
espelho, não reconheci a mulher diante de mim. Só me sobraram poucos dentes
amarelados. Nem me lembro quando perdi os outros. Minhas rugas e meu cabelo
ralo e branco são uma assombrosa metáfora
de uma vida que se esvaiu. No olhar, as luzes há muito se apagaram. E,
se meu corpo ainda não despencou, é por pura teimosia da velhice.
Saudade?
dos filhos que mal criei, dos momentos simples com meus pais que dispensei, das fotografias de
lugares que jamais conheci, dos perfumes cujo cheiro não senti, do pedido de
desculpas que não aceitei, do abraço que
recusei, das coisas que não aprendi, da vida que não vivi. E hoje, ao setenta
anos de idade, com um cemitério na cabeça e a migalha do tempo que me resta, queria
que alguém quisesse – ao menos uma única e última vez – , me comer.
