Maria do Amparo era filha mais velha de um casal de agricultores. Nasceu pequenina, feia, pobre... e tarde, pois sua mãe a abortou umas três vezes. Como era de se esperar, no sertão mais sertão do sertão do Piauí, cresceu (nem tanto!) subserviente, ignorante e bruta.
Durante o dia, em roças alheias: capinando, plantando, colhendo, “se lascando”; à noite, em casa: lavando, cozinhando, limpando, “se lascando”; no fim de semana, mais trabalho para variar, mas, como recompensa (pois nem só “se lascando” vive o indivíduo!), era agraciada com delicadas surras de vara do ilustríssimo pai cachaceiro.
Felizmente “há males que vêm para o bem”, e Maria do Amparo, aos treze anos, fugiu de casa com um pedreiro que adorava alisar paredes... e mulheres; com o qual teve doze gravidezes. A jovem esposa agora tinha a leve tarefa de criar um monte de filhos e ainda trabalhar fora de casa a fim de auxiliar o marido nas despesas. Lavava roupa em açudes o dia inteiro; os filhos cuidavam em casa uns dos outros.
Marido, tísico, morre. Maria do Amparo, agora contemplada com a obrigação de manter todo o mundo vivo, sem plano de saúde, sem economia, sem dente. Pior do que isso! teve que eleger cada político ladrão, que só contribuía para sua miséria; teve que agradecer as migalhas que injustamente lhe pagavam por trouxas enormes de roupa; teve que ser vizinha de pessoas que humilharam, discriminaram e maltrataram sua família; teve que dar bom-dia aos policiais que torturaram um filho; teve que assistir, sem nada poder fazer, à partida de todos; teve que aceitar a triste realidade de que um e outro passavam necessidades e que não podia ajudá-los; teve que conviver com um tal “Dia da Criança” e não poder presentear os netos; teve que sonhar com uma ceia de Natal e viver o pesadelo de não realizá-la.
Maria do Amparo mal viu os filhos crescerem. Só teve de engolir a triste ideia de que eles jamais a pertenceram: foram sempre do injusto mundo. Um bilhão de vezes sentiu o medo de cada um, e nunca uma lágrima caiu por sua própria angústia; porém, pelos filhos, elas encheriam os oceanos.
Antes de completar sessenta e três anos de idade, teve que, na doença, ver seu corpo – que suportou sol, fardos e dor – definhar; teve que, sobre uma cama barata, engasgar o orgulho e aceitar visitantes indesejados – pois, nessas horas, até os algozes se compadecem e comparecem – ; teve que encarar o fim sem saber se cumprira a missão, porque os filhos, pelo mundo, esqueceram-se-lhe de agradecer.
Maria do Amparo, que não sabia ler nem comer com garfo e faca, que não aprendeu a dirigir, que não pôs os pés calejados nas areias da praia, que não foi ao cinema nem ao teatro, que jamais andou numa roda gigante... teve que morrer sem ao menos ter vivido.
quarta-feira, 17 de agosto de 2011
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Muito legal todos textos.
ResponderExcluirbjão d sua colega Vanessa Costa.