sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Matei minha mulher!

Não me lembro direito! O delegado se chamava Dr. Wilson Freire, que, sentado à minha frente, ouvia os relatos de como assassinei minha esposa. Narrei-lhe como ela e eu nos conhecemos; quão bonita era nossa relação; as dificuldades por que passamos; e os momentos simples, porém felizes, que dividimos. Depois me detive aos fatos que me levaram a cometer a tragédia. Ela saiu para o trabalho, e fiquei deitado. Beijou-me sorrindo e sussurrou um “te amo!” em meu ouvido. No fim do dia, infelizmente, ela não retornou e, durante três dias, não atendia ao celular. No quarto dia, sem que me restasse esperança – pois achava que uma catástrofe tivesse-lhe acontecido –, ela regressa ao lar e me conta as mais inacreditáveis estórias. Mexendo em seu celular, encontro fotos dela com um homem e mensagens antigas trocadas entre ambos. O mesmo “te amo!” que me dizia todos os dias, fazia anos, também o declarava ao amante. Fiquei louco, peguei de uma faca e a golpeei primeiro nas mãos, as quais acariciaram outra pessoa. Em seguida, furei seus olhos, que fitaram outro homem; dilacerei seu nariz, que outro cheiro sorveu; arranquei seu coração, que por mim não pulsava; piniquei seus lábios, que outros lábios beijaram; e apartei sua língua, que tantas vezes mentiu pra mim. Encerrei a narrativa dizendo ao policial que não matei por amor, nem por ciúme: a mentira me fez ceifar uma vida. E acrescentei que dor maior do que mil facadas é a dor de uma só traição; que morrer na morte é bem melhor que morrer em vida, pois ao morto-morto nada mais lhe resta – nem tristeza, nem raiva, nem dor. E o morto-vivo está fadado a vagar e a chorar e a sofrer e a nunca morrer. E, se não morre, nunca lhe cessará a dor. O delegado, que, até então, me ouvia, toma a palavra: – Meu rapaz, antes de tudo, quero que entenda que você não está numa prisão. Logo, não sou policial. E, por fim, você não cometeu crime algum. Fiquei abismado, e ele continuou: – A moça, que você alega ser sua esposa, jamais foi só sua, ou melhor, ela jamais foi sua: você a idealizou. Amigo, você sempre esteve aqui, sem progresso, girando atrás do rabo, feito um cão. Sou seu psiquiatra, meu jovem, e é hora de você deixar a loucura (sua única companheira) e partir deste manicômio. – Quer me dizer, doutor, que ela nunca me amou?! Que só queria meu dinheiro?! – Que mané dinheiro! pois nunca o teve! – respondeu-me. – E o amor? – insisti. – Deixa de ser ingênuo, cara! amor é só um substantivo, que nem concreto é! Não acreditei em uma só palavra dita por ele – a não ser a classificação do substantivo. Afinal, se vivi sempre uma farsa, ele também poderia ser mais uma mentira. Precisava me certificar: – Mas Elvis não morreu?!! – Tá mortinho da silva! – respondeu-me. – Pelo menos o rock in roll é o que mais toca, não é? – Claro que não, estimado doidinho! o que mais toca é o lekleklek! E já que estamos falando de música, esquece aquela de Renato Russo: “Mas é claro que o sol vai voltar amanhã...”. Porque isso não é uma metáfora: é tão-somente o movimento de rotação da Terra. – E quanto àquelas crianças de Caverna do Dragão, elas encontram o caminho para casa? – Nan nan nin nan não! Ah! e o Mestre dos Magos é do mal, viu?. – E mais: Frajola nunca comeu Piu-piu; Coiote continua se lascando com Papaléguas, e espinafre não é um superalimento. – E as meninas superpoderosas?! – desiludido, indaguei. – Nem se empolgue, meu filho! é apenas um desenho animado. – E agora quem poderá me defender?! – Nem vem com essa?! Chapolin não é super-herói coisíssima alguma: é só um programa para crianças e para adultos lesados. Mesmo não acreditando nas coisas que ouvi, eu tive que deixar aquele lugar. Saí a esmo, em busca de não sei o quê, e cheguei a lugar algum. Não encontrei casa, nem parentes, nem amigos: só ruas vazias. Voltei, então, à clínica. Seguindo meus próprios passos, deparei-me com um terreno baldio: não havia clínica. Portanto não havia médico e, consequentemente, eu não existia, o paciente. Sendo assim, não havia fatos narrados, não havia nada. Ora, se nada existia, o que eu era?! O pesadelo de alguém, a personagem de um autor surrealista, a estória de um mentiroso compulsivo, o delírio de um viciado ou a fantasia de um obnubilado?! A conclusão a que cheguei, prezado suposto leitor, é que essa história não aconteceu, tampouco a escrevi, nem você a leu. (AUTOR: não há. LIVRO: ? DISPONÍVEL EM: sua imaginação, talvez)

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